sexta-feira, 22 de abril de 2011

FILOSOFIA MODERNA

 Um pouco diferente da filosofia antiga e medieval, na qual os temas abordados pelos filósofos geralmente estavam bastante ligados às questões históricas, políticas e culturais de seu tempo, na Idade Moderna a filosofia vai trabalhar em diferentes temáticas. Algumas sim, muito ligadas ao seu período histórico, outras, porém, bastante inovadoras.
A filosofia moderna irá abordar muito em seus temas as questões psicológicas.

O Mundo Moderno

O período que chamamos de “Idade Moderna” vai de meados do século XV até a segunda metade do século XVIII. Tem seu início no momento em que cai a cidade de Constantinopla, capital do Império Bizantino – quando esta é invadida pelos árabes – e tem seu término quando os reinos europeus irão começar a submergir diante das idéias republicanas, na Revolução Francesa.
Desta forma, após aproximadamente mil anos de ruptura entre o ocidente, que passou pelas invasões bárbaras, e o oriente romano, que manteve de certa maneira a cultura clássica, agora estes irão novamente unir-se, pois com a invasão árabe a elite cultural bizantina – muito mais esclarecida – foge para a Europa, onde fará parte das universidades e trará um novo tempo cultural para a Europa.
Além disto, nos primeiros anos deste novo período ocorreram uma série de coisas que vieram a gerar mudanças de grande porte. Geoffrey Blainey em sua célebre obra “uma breve história do mundo” trata destas mudanças:
“Nessa região, surgiu uma nova forma de pintar e esculpir e uma nova perspectiva em arquitetura que, vista como um todo foi chamada de Renascimento. Um despertar religioso, a Reforma, tomou conta de todo o norte da Europa. A técnica de impressão, uma forma maravilhosa de disseminar novos e antigos conhecimentos, saltava de cidade em cidade. Sucessivamente e em pequenos intervalos de tempo, um mundo inteiramente novo emergiu com a descoberta do continente americano e de uma rota totalmente marítima da Europa ao leste da Ásia. (...) Tais acontecimentos refletiram-se em novas formas de ver o mundo. Muitos artistas e arquitetos viram com novos olhos a realidade ao seu redor, fosse o corpo humano ou a perspectiva; muitos teólogos e pregadores acreditavam ter redescoberto a natureza humana; os astrônomos e navegadores viram o mapa do mundo com estupefação. Tudo refletia um desejo de banhar os olhos cansados em sal e enxergar tudo de uma nova forma.”[1]

Foram descobertas, sem dúvida, revolucionárias. Mas no campo das idéias, várias delas remontavam a pensamentos anteriores, como é o caso do “renascimento” artístico e cultural, que buscava na antigas cultura greco-romana sua inspiração. Também o protestantismo buscava uma igreja que retomasse a origem cristã dos primeiros séculos.
Este período é, portanto, um período riquíssimo para questionamentos e quebra de paradigmas. O mundo crescera e já não era mais do mesmo tamanho, a descoberta das Américas e as novas rotas comerciais traziam outras culturas para dentro da Europa. A fé já não era uníssona. Novas formas de crer fortaleciam-se e desafiavam o poderio da centralizada igreja romana. O saber e as informações distribuíram-se por intermédio das imprensas.

Principais Filósofos Modernos


Descartes (1596 - 1650):
Dedicou sua vida a uma busca pela “verdade” legitima. Não aceitava qualquer tipo de verdade preestabelecida, que segundo ele poderia nos levar a algum engano, assim, desconfiava até das conclusões tiradas dos sentidos, das sensações. Queria, portanto, estabelecer conhecimentos realmente “seguros”. Descartes foi um dos grandes filósofos racionalistas.
Ao contrários de outros filósofos contemporâneos chamados de “céticos”, que diziam que deveríamos nos conformar com a idéia de não saber nada, Descartes acreditava na necessidade de elaborar um método para testar, provar, conferir a veracidade dos saberes.
No mesmo sentido em que Galileu tentava tornar mensuráveis todas as coisas, Descartes propunha que se “pesasse” e “medisse” as idéias. Isto significa aplicar o “método matemático” aos conceitos e saberes filosóficos.
Seguindo nesta linha sua primeira constatação foi quanto à existência humana, da qual não poderíamos ter uma certeza inata, mas há lago que pode-se ter certeza: se a pessoa está analisando tal questão ela pensa, e assim, se pensa, existe. Surge a conhecidíssima frase: “Cogito, ergo sum” – penso, logo existo.
Neste mesmo raciocínio, ao analisar a questão da “perfeição”, da qual temos em nossa mente idéia, mas a qual, porém, não poderia ter origem em nós próprios, pois na verdade nem somos e nem conhecemos algo perfeito. A noção de um ser “perfeito” não poderia “brotar” de um ser imperfeito. Esta era, para Descartes, a maior prova da existência de Deus, o ser Perfeito. Nas palavras de Jostein Gaardem:
“A idéia de Deus é, segundo Descartes, uma idéia inata, que nos é “plantada”, por assim dizer, no momento em que nascemos, “como a marca que o artista coloca em sua obra”.”[2]

A partir destas duas primeiras constatações, da existência humana e da existência de um ser perfeito, ele traz a afirmação de que tudo o que percebemos com nossos sentidos realmente existe, não tratando-se apenas de uma imagem onírica (ilusão), e para chegar nesta constatação, Descartes baseia-se na Idéia do Ser Perfeito – Deus – que não iria nos pregar peças, criando um mundo de ilusões. Esta realidade exterior Descartes irá chamar de “extensão”, trata-se do mundo da matéria, que para ele é fundamentalmente diferente do mundo das idéias, o mundo da Alma, que ele chamará de “pensamento”. Deus criou o pensamento e a extensão, mas é independente deles. Assim, Descartes irá estabelecer relações entre o comportamento humano e a ligação que há entre corpo (matéria) e alma (pensamento), que se influenciam mutuamente. Para ele, porém a alma deveria prevalecer sobre os desejos em intenções do corpo, que em seus sentimentos e vontades age movido pelos sentimentos e não pela Razão. Por isso Descartes é chamado de Dualista.

John Locke (1632 - 1704):

Descartes, assim como outros racionalistas (desde Sócrates), acreditavam em idéias inatas, ou sejas, aquelas às quais o ser humano já trazia em si, independente de aprendizado que tivesse, seriam coisas previamente estabelecidas e assim, parte da natureza inata do pensar humano. No século XVIII surge uma forte oposição à esta idéia. O grupo de filósofos, que iremos chamar de “empiristas”, acreditam que a mente humana é como uma folha de papel em branco, na qual apenas começam a ser formados conceitos e idéias, impressões, a partir do conato sensorial com o mundo à nossa volta. O maior porta-vóz destas idéias, e assim grande crítico de Descartes, foi John Locke.
Com a negação das idéias inatas, e por conseqüência, do dualismo proposto por Descartes, entre pensamento (alma) e extensão (matéria), Locke torna-se o primeiro filósofo moderno a romper com o pensamento metafísico. Locke é considerado o pai do “Behaviorismo”.
Locke irá basear sua argumentação contra a teoria das idéias inatas também em um argumento ético. Ele afirma que em muitos lugares do mundo podem-se manter certos tipos de culturas, leis e pensamentos preconceituosos com base em pensamentos dogmáticos que se baseiam em idéias afirmadas como inatas, e assim naturais e imutáveis. Com esta defesa Locke afirma que seria possível construir um mundo de Tolerância em todas as instâncias. A partir desta filosofia ele passou a contribuir para o pensamento da democracia liberal.



David Hume (1711 – 1776):
Hume é considerado um dos principais filósofos do Iluminismo e o mais radical dos filósofos empiristas, por seu total ceticismo. Ele opôs-se ferozmente à todo tipo de pensamento que não tivesse origem ou correspondência na realidade material perceptível pela observação, sendo assim grande inimigo do pensamento de Descartes e de todos os filósofos que expressassem idéias metafísicas ou teológicas.
Ele acreditava que o contato de nossos sentidos com o mundo a nossa volta gerava “impressões”, que ficavam gravadas em nossa mente, tais impressões, após algum tempo ficavam gravadas na nossa lembrança e iriam ser base para nossas “idéias”. O problema para ele estava em idéias algumas complexas, que segundo seu ver teriam origem na mistura de elementos de várias e diferentes “impressões”, sem corresponder, necessariamente a uma realidade confiável. Segundo Hume, apenas é confiável o saber que tem correlação direta com a  realidade que pode ser constatada no nosso cotidiano.
Baseado nisso Hume chegou a afirmar: “se tomarmos um livro sobre a doutrina divina, ou sobre metafísica, devemos perguntar o seguinte: ele contém algum raciocínio abstrato sobre tamanho e números? Não. Contem algum raciocínio sobre fatos e sobre a vida que seja baseado com experiências? Não. Atira-o, então, ao fogo, pois tudo o que ele contém não passa de fantasmagoria e ilusão”.
Permanece, porém, no empirismo de Hume, a subjetividade dos filósofos de sua época, tanto que tal pensamento é chamado “atomismo psicológico”, pois trata das coisas do mundo real a partir de sua impressão em nossa mente, pelo contato sensorial racional.

Immanuel Kant (1724 - 1804):
Kant é o pai do relativismo. Em um mundo no qual o racionalismo cartesiano (de Descartes) e o empirismo de Locke e Hume se contrapunham em gênero, número e grau, Kant encontrou um caminho comum a ambos e conseguiu aproxima-los através de seu relativismo.
O problema de ambas as linhas filosóficas de seu tempo era: como podemos compreender a realidade? Os racionalistas propunham um mundo formado por idéias inatas e pelo pensamento em contato com o mundo material. Já para os empiristas tudo não passava de impressões que se faziam em nossa mente, que gravava estas e agia baseado nelas, na experiência, no contato com o mundo sensorial.
Para Kant na verdade ambas estavam um pouco corretas, faltava-lhes, porém, perceber que o homem percebia o mundo à sua volta com conceitos prévios que lhe eram preestabelecidos por uma situação inata: o tempo e o espaço. Toda a experiência humana ocorre e desenvolve-se no tempo e no espaço.
A mente humana não seria, portanto, uma lousa em brando que recebe impressões do mundo sensorial, e estaria mais para um vaso, uma vasilha, de diferentes formatos que recebe sim um conteúdo, mas que molda este conteúdo à sua personalidade, á sua condição que é preestabelecida pelo tempo e pelo espaço.
Assim, para Kant, todos os temas de que os filósofos tomam como temas e suas conclusões, mesmo que estas sejam consideradas leis imutáveis e empíricas, são estas leis produções da nossa razão. Tudo em nossa vida, todas as nossas conclusões passam pela nossa razão, mesmo que esta diga-se materialista, há por de traz de tal concepção uma serie de racionalismos e de influências da condição apriorista de nossa personalidade, de nossa temporalidade, de nossa posição no espaço, e assim por diante. Assim Kant contribuiu muito para a formação de uma filosofia bastante relativista.
Outra forte contribuição de Kant foi na área da natureza humana, ao posicionar-se como um racionalista ao afirmar a existência de uma “lei moral”, preexistente à experiência, que dá base ao comportamento humano. Para Kant é possível analisar-se no mundo todo, nas mais diferentes sociedade, a existência de um código de conduta moral que ultrapassa as barreiras culturais e que é inerente ao ser humano, que estaria incutido previamente em nossas mentes, na alma humana.

Por

Dionísio Felipe Hatzenberger
Professor de História, Filosofia e Ensino Religioso



[1] BLAINEY, Geoffrey. Uma breve história do mundo, São Paulo: Fundamentos, 2010.
[2] GAARDEN, Jostein. O mundo de Sofia, São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

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